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Racionalismo e Fé Cristã: A Idolatria da Razão na Era Secular

Você já ouviu alguém dizer que a fé cristã é “irracional” ou “enviesada”, enquanto a ciência e a razão seriam “neutras”? Essa é a grande promessa do racionalismo secular: a ideia de que a razão humana pode alcançar a verdade absoluta, livre de qualquer “lente” ou pressuposto. Mas será que essa promessa se sustenta? Como cristãos reformados, cremos que essa visão é uma ilusão — e, mais do que isso, uma forma de idolatria.

Introdução: A Promessa Falsa do Racionalismo

O racionalismo, que ganhou força no Iluminismo com pensadores como René Descartes, afirma que a razão é a única ferramenta confiável para compreender a realidade. Descartes, com sua famosa frase “Penso, logo existo”, acreditava que poderia chegar à verdade sem qualquer pressuposto. Ironicamente, ele era um católico devoto e, após sua “revelação” racional, fez uma promessa a Nossa Senhora de Loreto. Isso mostra que até Descartes não estava livre de uma cosmovisão.

No entanto, o racionalismo que ele ajudou a fundar se apresenta como neutro, enquanto considera outras cosmovisões — como a cristã — enviesadas ou irracionais. A versão moderna do racionalismo, herdeira do Iluminismo, busca substituir Deus pela capacidade humana de compreender o universo sem necessidade de uma base transcendente. É interessante pontuar, entretanto, que até mesmo Descartes, o pai do racionalismo moderno, reconhecia que sua razão precisava ser ancorada em Deus. Mas os racionalistas contemporâneos descartaram essa base, transformando a razão em um fim em si mesma. Neste artigo, veremos que essa pretensa neutralidade é uma ilusão e que o racionalismo, na verdade, é apenas mais uma cosmovisão, com seus próprios pressupostos e idolatrias.

A Ilusão da Neutralidade: O Racionalismo como Cosmovisão

O racionalismo secular se apresenta como “neutro”, livre de preconceitos, enquanto considera outras cosmovisões (como a cristã) enviesadas e irracionais. Mas essa é, simplesmente, uma falácia. Como Nancy Pearcey argumenta em Verdade Absoluta, toda cosmovisão parte de pressupostos, e o secularismo não é exceção. A ideia de uma razão “nua”, livre de qualquer influência, é um mito.

O racionalismo tem suas próprias “lentes”: ele pressupõe que a razão humana é suficiente para compreender a realidade, que o universo é puramente material e que a ciência é a única fonte confiável de conhecimento. Esses são pressupostos filosóficos, não fatos universais.

Para ilustrar, pense em um exemplo prático: um cientista ateu que rejeita a fé cristã como “irracional” pode não perceber que sua confiança na ciência é baseada em um pressuposto filosófico chamado naturalismo — a ideia de que só o que pode ser observado e medido é real. Mas quem disse que o naturalismo é verdadeiro? Essa é uma escolha, uma cosmovisão, não uma verdade absoluta.

Outro exemplo: o racionalista que critica a Bíblia como “tradicionalista” não percebe que sua confiança na razão é, ela mesma, uma tradição filosófica que começou com o Iluminismo. Não há neutralidade: todos nós vemos o mundo através de lentes. O racionalista simplesmente se recusa a admitir que também usa óculos — e que esses óculos foram moldados por séculos de pensamento humano, não por uma verdade universal.

Além disso, teologicamente falando, o racionalismo ignora a realidade do pecado. Na cosmovisão cristã, o pecado obscurece até mesmo nossa razão. Como diz Romanos 1:21, “tendo conhecido a Deus, não o glorificaram como Deus, e seu coração insensato se obscureceu”. Nossa capacidade de pensar é limitada e enviesada pela queda. O racionalista, ao se colocar como “imparcial”, demonstra uma arrogância que ignora essa verdade fundamental. Ele acredita que sua razão é uma exceção, como se pudesse transcender as limitações humanas. Mas, como veremos, isso é impossível.

 A Idolatria da Razão: Um Novo “Deus”

Pior ainda, o racionalismo transformou a razão em um ídolo. Na cosmovisão cristã, idolatria é colocar qualquer coisa no lugar de Deus. Romanos 1:22-23 nos adverte:

“Dizendo-se sábios, tornaram-se loucos, e mudaram a glória do Deus incorruptível em semelhança da imagem de homem corruptível.”

Paulo está falando aqui da arrogância humana que troca a glória de Deus por ídolos corruptíveis — e, no caso do racionalismo, o ídolo é a própria razão humana, elevada ao lugar de Deus. O Iluminismo, o racionalismo, o existencialismo e a cultura pós-moderna secular elevaram a razão humana ao status de autoridade suprema, ignorando que ela é limitada e caída. Como ensina a doutrina reformada da depravação total, o pecado afeta todas as áreas do ser humano, incluindo a razão. Sem Deus, a razão se coloca como um “deus” falso — um ídolo que promete a verdade, mas entrega apenas ilusão.

Essa idolatria é evidente na forma como o racionalismo trata a razão como a única fonte de verdade. Para o racionalista, a razão não é apenas uma ferramenta; é o árbitro final de tudo. Mas isso é uma fé cega, tão dogmática quanto qualquer religião que ele critica.

Pense nisso: se a razão humana é limitada, como pode ser a autoridade suprema? Se ela é enviesada, como pode ser imparcial? O racionalista não tem resposta para essas perguntas, porque ele se recusa a questionar seu próprio sistema de pensamento. Ele colocou a razão no trono que pertence a Deus, e isso é o que chamamos de idolatria.

O Racionalismo e o Ateísmo Filosófico

Cornelius Van Til argumentava que toda cosmovisão precisa ter um ponto de partida absoluto. No cristianismo, esse ponto de partida é Deus e Sua revelação. No racionalismo, o ponto de partida é a razão humana — o que, paradoxalmente, exige um salto de fé. Os racionalistas rejeitam a fé cristã alegando que ela não pode ser provada pela razão, mas não percebem que sua própria confiança na razão é colocada como uma crença inquestionável.

O racionalismo puro levou a formas extremas de ceticismo. David Hume, um dos principais filósofos empiristas, mostrou que a própria indução científica — a ideia de que o futuro se comportará como o passado — não pode ser provada apenas pela razão. Ele demonstrou que confiar na razão para explicar tudo leva inevitavelmente ao ceticismo radical. Ou seja, a idolatria da razão colapsa sobre si mesma.

Francis Schaeffer também abordou essa questão, mostrando que, ao rejeitar Deus, a modernidade acabou dividida entre o que ele chamou de “linha do desespero”: no andar de baixo, temos um universo sem sentido; no andar de cima, tentativas desesperadas de dar significado à vida. Os racionalistas se recusam a admitir essa crise tão clara nos dias atuais, mas a própria história da filosofia mostra que a razão, isolada de Deus, não pode sustentar um sistema coerente.

A Verdade que Transcende: Somente Deus Vê a Realidade como Ela É

Se nenhuma cosmovisão humana pode ser verdadeiramente neutra, quem pode ver a realidade como ela realmente é? A resposta lógica é: apenas algo que transcende o universo e todas as cosmovisões – a saber, Deus, o Criador. A lógica aponta para Ele. Como cristãos reformados, cremos que a soberania de Deus implica que Ele é a fonte de toda verdade. Nossa razão, por mais útil que seja, deve se submeter à revelação de Deus em Sua Palavra. Como diz Provérbios 1:7:

“O temor do Senhor é o princípio da sabedoria.”

A verdadeira sabedoria não começa com a razão humana, mas com a humildade diante de Deus.

Aqui, a cosmovisão cristã oferece uma alternativa sólida ao racionalismo. Como R.C. Sproul ensinava sobre Teologia Sistemática, a abordagem cristã não impõe um sistema pré-moldado às Escrituras, como o racionalismo faz com seus pressupostos. Pelo contrário, a Teologia Sistemática deriva da própria Escritura, onde um conceito leva a outro, formando um sistema coerente que reflete a verdade revelada por Deus.

Por exemplo, a doutrina da soberania de Deus nos leva à doutrina da eleição, que nos leva à doutrina da graça irresistível, e assim por diante. Esse sistema não é uma invenção humana, mas uma descoberta daquilo que Deus já revelou. Diferentemente do racionalismo, que começa com a razão humana como ponto de partida, a cosmovisão cristã começa com Deus e Sua Palavra (Sola Scriptura), reconhecendo que nossa razão é uma ferramenta, não um ídolo.

O Argumento de Van Til: Razão Submissa à Revelação

Cornelius Van Til argumentava que a única maneira de garantir um conhecimento verdadeiro é começar com Deus. Ele chamava isso de “razão subordinada à revelação”. A ideia central é que a razão só pode operar corretamente se estiver fundamentada na revelação divina. Sem isso, ela se perde em um mar de suposições arbitrárias.

Se confiamos apenas na razão, não temos um fundamento absoluto para a verdade. O que impede que a verdade mude com o tempo? Por que devemos confiar em leis da lógica imutáveis? No cristianismo, essas leis refletem o caráter ordenado de Deus. No racionalismo, elas são apenas convenções humanas.

Van Til demonstrou que qualquer sistema que rejeita Deus acaba em contradição, porque rouba pressupostos do cristianismo para poder funcionar. O racionalista assume que a razão é confiável, que a lógica é imutável e que a verdade pode ser conhecida — mas esses conceitos só fazem sentido dentro de uma cosmovisão cristã. Como ele sabe que sua própria mente não está sendo enganada? O racionalismo não pode responder essa pergunta satisfatoriamente.

O pensamento reformado sempre valorizou a razão, mas nunca a colocou acima da revelação. Calvino dizia que a mente humana, mesmo caída, ainda possui uma “centelha” de racionalidade concedida por Deus, mas que ela está obscurecida pelo pecado. Precisamos das Escrituras para iluminar nossa razão e guiá-la ao conhecimento verdadeiro.

Essa é a chave: a razão é um dom de Deus, mas ela não é autônoma. Ela precisa ser guiada pela Palavra de Deus para cumprir seu verdadeiro propósito.

Razão, Fé e a Supremacia da Revelação

Ao longo deste artigo, examinamos a ilusão do racionalismo e sua crença equivocada na autonomia da razão humana. Vimos como esse sistema falha em fornecer uma base sólida para o conhecimento, pois nega seus próprios pressupostos e depende, ainda que inconscientemente, de categorias herdadas do teísmo cristão.

Contrastamos isso com a visão cristã reformada, que não nega a razão, mas a submete à revelação divina. Como enfatizado por Cornelius Van Til, a verdadeira racionalidade só é possível dentro de uma cosmovisão que começa com Deus. A fé cristã não é um salto no escuro, mas a única base sólida para uma visão de mundo coerente.

R.C. Sproul sempre reforçou essa ideia ao demonstrar que a razão, quando corretamente usada, leva à conclusão inevitável da existência de Deus e da veracidade das Escrituras. Ele não via fé e razão como opostas, mas como complementares — desde que a razão reconhecesse sua limitação e dependência da revelação divina.

Conclusão:

Se aprendemos algo com a história do pensamento ocidental, é que os esforços humanos para construir um sistema de conhecimento independente de Deus sempre falharam. O racionalismo, ao buscar a certeza absoluta na mente humana, encontrou apenas dúvidas crescentes e contradições internas. Por outro lado, a cosmovisão cristã, enraizada na revelação de Deus, oferece uma base firme para todo o conhecimento.

A questão que permanece para todos nós é: viveremos conforme um sistema que inevitavelmente se autodestrói, ou nos renderemos Àquele que é a própria fonte de toda verdade? Como cristãos, somos chamados a rejeitar idolatrias e a buscar a verdade em Cristo, estudando Sua Palavra e vivendo para Sua glória.

A resposta está nas palavras de Cristo:

“Eu sou o caminho, e a verdade, e a vida; ninguém vem ao Pai senão por mim.” (João 14:6)

No fim das contas, a verdade não é meramente um conceito abstrato. A verdade é uma Pessoa. E essa Pessoa é Cristo Jesus, o Deus que se fez carne e habitou entre nós.

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Este post tem um comentário

  1. Michelle

    Que texto bom e pertinente! De fato, é bem comum vermos pessoas excluindo nossas opiniões do debate público porque, segundo elas, estão permeadas de pressupostos religiosos. Contudo, elas agem como se suas próprios visões não estivessem embasadas também de pressupostos filosóficos – e religiosos, em certo sentido -, como se fosse possível haver neutralidade. Precisamos ter em mente que isso não é verdade, e, ao mesmo tempo, construir argumentos sólidos e racionais baseados na Palavra para podermos impactar e transformar a cultura ao nosso redor.

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